Mitos e lendas celtas, de Charles Squire

"Uma mitologia deve ser sempre mais velha do que os mais antigos versos e histórias que a celebram. Poemas e sagas elaborados não são feitos num dia, ou num ano. As lendas dos deuses e heróis gaélicos e britânicos poderiam não ter brotado - como Atena da cabeça de Zeus - plenamente nascidas do cérebro de algum poeta. O bardo que primeiro as colocou em forma artística estava assentando as tradições primitivas de sua raça."

Squire, C. Mitos e lendas celtas. (2005, p.24).




    Motivado pela minha paixão pela cantora e compositora irlandesa Enya e seu belíssimo álbum The Celts (1992) - "Os Celtas" -, eu decidi ler Mitos e lendas celtas, de Charles Squire, onde eu desejava encontrar significados para o que eu vagamente conhecia através de músicas, documentários, pinturas e histórias. Queria ir de encontro às lendas celtas, ao que motivou e continua motivando tantos artistas até hoje a produzirem obras que recebem o meu fascínio e admiração. Infelizmente, me encontrei perdido em uma floresta escura repleta de deuses antigos e heróis esquecidos, emaranhado entre um texto difícil e cheio de armadilhas para espantar o leitor.
    Antes de me explicar, devo dizer que consegui o livro através de uma troca realizada por meio do projeto Bookcrossing na Universidade de Passo Fundo, onde curso Letras. Conversando com o dono anterior do livro, que é meu amigo, descobri que ele o abandonou pelos mesmos motivos que me fizeram não gostar da leitura.
    Mitos e lendas celtas, como o próprio autor afirma, é uma tentativa de reunir o tesouro da mitologia dos celtas das Ilhas Britânicas em busca de suas origens, bem como para retratar os possíveis antepassados dos leitores atuais. O livro está dividido em quatro partes: A Mitologia das Ilhas Britânicas, Os Deuses Gaélicos e suas Histórias, Os Deuses Britânicos e suas Histórias e Sobrevivência do Paganismo Celta.
    O projeto gráfico do livro é excelente e nos leva a criar expectativas que podem não ser atendidas. Na capa, vemos ilustrações de Stonehenge e de Arthur e os Cavaleiros da Távola Redonda. As orelhas possuem pinturas de feiticeiras e a contracapa exibe o chão de uma floresta acompanhado por mais pinturas e padrões inspirados na cultura céltica. Também encontramos belas ilustrações em pontilhismo entre um capítulo e outro. Enfim, uma obra bem preparada visualmente.

O homem de Giz, de C.J. Tudor

"Houve extensas buscas, perguntas e apelos, mas, apesar de todos os esforços por parte dos detetives e dos homens da cidade, a cabeça nunca foi encontrada e a garota do bosque nunca voltou a ficar completa." *



    Queridos leitores e queridas leitoras, acima está mais um vídeo-resenha do canal Não Derrame Café no Seu Livro! O homem de giz foi o primeiro livro que li em 2019; eu o havia comprado junto com alguns outros que estavam na minha lista de desejados há um tempinho. Mais uma vez fico contente por ter escolhido bem as minhas leituras. Comecei o ano com o pé direito ao ler o romance de C. J. Tudor. 
    Segue agora uma dica especial, fruto de minha vivência como leitor que procura mergulhar profundamente em cada história. Dependendo do livro que eu estiver lendo, gosto de lê-lo ouvindo música (em certos casos, o silêncio basta). Não faço isso somente para abafar os ruídos externos (automóveis manifestando sua presença no mundo, conversas paralelas, televisão emitindo sons de baixa inteligência...); faço porque gosto de vivenciar o máximo possível a história que o autor ou autora está a me oferecer. Pretendo, nas próximas postagens, anexar uma playlist ou álbum que ouvi enquanto lia o livro e que me ajudou a "entrar no clima". 
    No caso de O homem de giz, ouvi repetidamente durante a leitura a trilha sonora de Stranger Things, composta por Kyle Dixon e Michael Stein. Genial o trabalho desses caras. Vou deixar abaixo um vídeo (em inglês) em que eles contam como produziram as músicas da série. Foi muito bom ouvi-las enquanto lia. Me atirou em uma clima de tensão, medo, cuidado, retrô.




 

* TUDOR, C.J. O homem de giz. Editora Intrínseca, 2018. p.10.


Não Derrame Café no Seu Livro, por João Augusto ;)

Anjos | Paola Giovetti

"Acreditar em anjos só pode ser positivo para nós. Voltarmo-nos para eles, em última análise, produz em nós um apelo ao que temos de melhor, permitindo-nos ouvir o que aquela voz suave mas firme, e sempre presente, que nos impele a fazer o bem, tem a dizer. Ela nos conclama a buscar o que a vida tem a nos oferecer, com confiança e amor, e a erguer os olhos às alturas."*


    Queridos leitores e queridas leitoras, vocês acreditam em anjos? Recorrem a eles? Conversam com eles? Já os viram ou sentiram sua possível presença? São questões como essas que Paola Giovetti acaba, inconscientemente, por nos fazer ao longo de seu livro sobre estes "seres de luz, mensageiros celestes, protetores dos homens".
    Não quero convencer ninguém de que anjos existem: basta convencer a mim mesmo. O mesmo arquétipo da figura alada e celestial, como busca mostrar Giovetti, está presente em diversas culturas, sociedades e religiões, através dos milênios. O livro da pesquisadora italiana nos faz refletir sobre os anjos e suas representações, quer acreditemos neles ou não. Seu trabalho tem puramente o objetivo de trazê-los de volta à nossas rodas de conversa, que foram tomadas por tantos outros assuntos. Nesse ponto, a autora obtém sucesso, pois é quase impossível finalizar a leitura de sua obra sem discuti-la com alguém. Recomendo para todos os interessados e estudiosos do assunto, como fiquei sabendo, da angelologia.
    Como o livro aqui no Brasil só tem uma edição da finada Editora Siciliano, você pode encontra-lo em sebos, mas se você lê em outras línguas vi edições recentes em italiano e algumas boas em inglês também. É só procurar.


* (p.108) GIOVETTI, Paola. Anjos: seres de luz, mensageiros celestes, protetores dos homens. Editora Siciliano, 1995.

Não Derrame Café no Seu Livro, por João Augusto ;)

O ano da leitura mágica | Nina Sankovitch

"[...] Como é possível que alguém não enlouqueça diante do horror da morte?

    Mas agora, lendo meus livros como fuga, encontrei outra maneira de responder a essas questões. Não era um modo de fugir da dor e sim um modo de absorvê-la. Por meio das memórias. Embora a memória não possa livrar uma pessoa do sofrimento nem ressuscitar os mortos, a lembrança nos garante que sempre teremos o passado ao nosso lado, momentos ruins, mas também momentos muito, muito bons de gargalhadas, refeições juntas e discussões de livros." *




    Queridos leitores e queridas leitoras, vocês podem conferir no canal do Youtube a minha opinião completa sobre O ano da leitura mágica, de Nina Sankovitch! Depois de ficar anos vagando pelas minhas estantes, finalmente terminei esse livro, que conta a bela, emocionante e inspiradora história de como, após a morte de sua irmã Anne-Marie, Nina Sankovitch dedicou um ano inteiro de sua vida à leitura de um livro por dia, assinalando o poder catártico da literatura. Embora não tenha correspondido plenamente às minhas expectativas, certamente a leitura das memórias autobiográficas de Nina veio a acrescentar.
    Especialmente, após o meu ano dedicado à monografia, o livro se revelou profundamente ligado ao tema da minha pesquisa: o tempo na linguagem. Mais especificamente, o livro de Nina ressaltou a possibilidade de revivermos a experiência dos acontecimentos passados por meio da memória, através da linguagem. A autora trouxe várias reflexões nesse sentido, como vemos no seguinte trecho: "Jamais sentirei novamente a alegria de segurar meu filho recém-nascido nos braços - isso é passado para mim - mas os prazeres de um livro, ou de um quadro, ou de um passeio no parque estão todos no meu passado e com certeza se repetirão no futuro" (p.47).
     É mister que criemos boas lembranças, que aproveitemos cada momento e que os tornemos especiais à nossa maneira. Principalmente porque muitos desses momentos são únicos em nossas vidas e não temos a chance de os corrigirmos ou reencena-los para eliminar nossos arrependimentos. Assim, nos perguntemos agora, no presente: é disso que nós gostaríamos de nos lembrar? Se a resposta for negativa, saibam que o tempo de mudar é sempre o agora. Como bem coloca Nina, "Não podemos controlar os eventos ao nosso redor, mas somos responsáveis por nossas reações a esses eventos." (p.183).
    Com certeza O ano da leitura mágica será uma experiência marcante para os leitores de diferentes maneiras, sem deixar de mostrar a todos e a todas onde reside a verdadeira magia que transparece nos livros: dentro de nós mesmos.


* (p.73) SANKOVITCH, Nina. O ano da leitura mágica. Editora LeYa, 2011.

Não Derrame Café no Seu Livro, por João Augusto ;)

Resenha: La Belle Sauvage (vol.1 trilogia O Livro das Sombras), de Philip Pullman


"Em Paris, coordenou um grupo de pesquisa sobre o campo Rusakov, aquela teoria sobre a consciência que deixa o Magisterium tão agitado. Ele escreveu um artigo defendendo que deve existir uma partícula associada ao campo e fez a extraordinária afirmação de que o Pó pode ser essa partícula."*



    Na noite de quatro de dezembro desse ano, eu defendi minha monografia (A linguagem e o tempo: um estudo em Agostinho, Benveniste e Bakhtin) e obtive aprovação. Para comemorar o acontecimento, fui à livraria escolher um livro para me presentear (como esperado vindo de um aluno de Letras). Escolhi La Belle Sauvage, primeiro volume da nova trilogia de Philip Pullman, O Livro das Sombras. Estava de olho no livro desde seu lançamento em outubro do ano passado, no original, e em novembro aqui no Brasil.
    Isso é uma coisa que estou a gostar em mim: salvo nas redes sociais as publicações com os livros que desejo ler, para não esquece-los, e quando tenho a oportunidade, são os primeiros na lista de compras. Assim evito me empolgar e comprar um livro qualquer que apareceu na tela. Não me importo de ficar um tempo namorando as histórias que quero ler: uma hora ou outra irei conhece-las.


Imagem relacionada
Nicole Kidman como Marisa Coulter em A Bússola de Ouro (2007).
    Eu já havia entrado em contato com a literatura de Pullman através de sua fantástica trilogia Fronteiras do Universo (His Dark Materials), composta por A Bússola de Ouro (Northern Lights/The Golden Compass), A Faca Sutil (The Subtle Knife) e A Luneta Âmbar (The Ambar Spyglass). Concordo com quem diz que essa é uma das melhores obras de fantasia que temos atualmente. A história do livro e minhas considerações sobre ele você pode conferir no vídeo acima. Aqui eu quero apenas destacar mais alguns pontos que me interessaram durante a leitura, como características dos personagens e do universo da narrativa.

La La Land: Cantando Estações (2016)

"City of stars, are you shining just for me?"

Direção: Damien Chazelle
Roteiro: Damien Chazelle
Título original: La La Land

    La La Land: Cantando Estações (2016) é o favorito da temporada de premiações deste ano, já contando com várias indicações e levando na bagagem ao Oscar sete estatuetas do Globo de Ouro e outros prêmios. O diretor e roteirista Damien Chazelle já é conhecido pela Academia, quando levou o seu Whiplash (2014) para o Oscar de 2015. Depois de assistir La La Land eu já levanto a bandeirinha com seu nome. Estou na torcida!

    O filme presta homenagem não somente a outros musicais e a indústria do cinema como também aos sonhadores e a todos que procuram seu lugar ao sol. É assim que o longa começa com a contagiante e empolgante canção Another Day of Sun, em que um grupo de pessoas presa no engarrafamento de LA expressa os desejos que buscam realizar na cidade dos anjos. O figurino com cores vivas e vibrantes, o êxtase das pessoas, a vividez da música e os movimentos fluidos da câmera despertam emoções quentes e começam a pintar o quadro de alegria esperançosa e da possibilidade de os seus sonhos se realizarem na terra que os fabrica. 
    Os protagonistas dessa história são Mia (Emma Stone), uma jovem aspirante a atriz que se vê rodeada de estrelas e busca diariamente a chance de se tornar uma, e Sebastian (Ryan Gosling), um pianista entusiasta com o jazz de outrora, que está perdendo força em um mundo no qual o coração das pessoas bate em outro ritmo. Conhecemos ambos num clima de I have a dream, do ABBA, seguindo seus ideais e mantendo-se fieis à suas crenças. Quando os caminhos de Mia e Sebastian se cruzam entre notas musicais, festas e danças à luz da grande cidade, os sonhos se entrelaçam em um mundo onírico e excitante. A partir daí a trama se desenvolve até um ponto confortável e esperado pelo público, para depois se desenrolar em um terreno mais realista e ao final, agridoce. 


    Stone e Gosling estão brilhantemente ligados, transmitindo com excelência as passagens da paixão juvenil até os conflitos mais sérios, os anseios e certezas dos sonhadores. Ryan esbanja proficiência no piano, sendo que dispensou dublê na hora de representar as músicas gravadas, embora tenha aprendido a tocar o instrumento em três meses. As coreografias também agradam pela leveza e talento.




    A fotografia, a trilha sonora, os jogos de câmera, a ambientação e a arte do filme estão impecáveis, ao meu ver. Assisti poucos musicais (acredito que nenhum da lista que inspirou La La Land): Into the Woods ou Caminhos da Floresta (versão da Broadway e da Disney), Mamma Mia (filme de 2008), Os Miseráveis (filme de 2012), Sweeney Todd: O Barbeiro Demoníaco da Rua Fleet (filme de 2007), etc. Lembro que assisti parte de Hairspray (filme de 2007) e não gostei nenhum pouco das letras e de como as canções eram inseridas na trama. Fiquei com medo que La La Land fosse assim, mas felizmente não foi o que ocorreu. A música faz parte do filme do mesmo modo como faz parte de nossas vidas. Mesmo quando os personagens não estão cantando ou dançando, o som de diversos instrumentos percorre o filme com naturalidade, conduzindo o espectador como se lhe desse a mão para o acompanhar numa dança. A partir de um ponto do longa as peças musicais diminuem, mas essa breve ausência tem seu significado quando observamos o que está acontecendo com Mia e Sebastian. 
    A encantadora trilha sonora ficou por conta de Justin Hurwitz (música) e a dupla de Benj Pasek com Justin Paul (letras). Já baixei o álbum e tenho certeza que a sublime coleção de sentimentos sonoros vai me acompanhar por um bom tempo. Ao final do post convido você a ouvir ao menos uma canção. 
    Lembrei de uma frase shakespeariana que li na capa de um livro didático de inglês: "All the world’s a stage, / And all the men and women merely players" (O mundo inteiro é um palco, / E todos os homens e mulheres meros atores). Quando assisti à Mia e Sebastian dançarem ao fim da tarde de frente para a cidade de Los Angeles, foi o que senti: que todos os assistiam, seja de um lado da tela ou de outro.


    Dou ao filme cinco estrelas, mas ele merece uma constelação do tamanho dos sonhos do mundo. Cativante, emocionante e inteiramente belo, La La Land é uma das minhas apostas para o Oscar, mas ainda tenho outros queridinhos para assistir. Impossível não arriscar uns passos de improviso ou um cover da música que te conquistou após ver o filme. 
     Um musical feito para essa premiação, com referências ao próprio gênero e a história do cinema, com um elenco que encontrou desafios para seus papéis, mas com treino e dedicação conseguiu entregar um ótimo trabalho. Dentre as indicações ao Oscar, La La Land se encontra nas categorias de Melhor Filme, Melhor Diretor (Damien Chazelle), Melhor Ator (Ryan Gosling), Melhor Atriz (Emma Stone), Melhor Roteiro Original, Melhor Fotografia, Melhor Canção Original (Audition: The Fools Who Dream e City of Stars), Melhor Trilha Sonora, Melhor Figurino...




    

Comentário com spoiler!

    Depois de Mia e Sebastian conseguirem realizar seus sonhos e perceberem que nem tudo foi como planejado, eu lembrei do musical Into the Woods, que alerta para os desejos que realizamos, ressaltando que eles têm seu preço. 

Fontes:

Lista de indicados ao Oscar.


Não Derrame Café no Seu Livro, por João Augusto

Resenha: Doze anos de Escravidão, de Solomon Northup (+ filme)

"Então passamos, algemados e em silêncio, pelas ruas de Washington, atravessando a capital de uma nação cuja teoria de governo, dizem, repousa sobre a fundação do direito inalienável de qualquer homem à vida, à LIBERDADE e à busca da felicidade!" *




    Quando falamos em escravidão o que vem à mente para a maioria das pessoas, de forma geral e rápida, são imagens de negros acorrentados acompanhados de um cenário tropical de séculos passados. Infelizmente a escravidão ainda não deixou de existir, somente mudou em alguns aspectos e continua a fazer vítimas diariamente ao redor do mundo.
    A agora conhecida como escravidão moderna ou contemporânea atinge cerca de 45,8 milhões de pessoas mundialmente, sendo que 58% dos que vivem em situação de escravidão se encontram na Índia, China, Paquistão, Bangladesh e Uzbequistão, segundo dados do Índice de Escravidão Global de 2016, feito por The Minderoo Foundation. Quanto à terminologia usada a pesquisa compreende como “escravidão moderna” as situações de exploração que uma pessoa não pode recusar ou abandonar, devido à ameaças, violência, coerção, abuso de poder ou engodo, recebendo tratamento parecido com o de um animal de fazenda. Outros termos que adentram o conceito de escravidão moderna são: tráfico humano, trabalho forçado, servidão por dívida, casamento forçado ou servil, venda ou exploração de crianças. O documento ainda apresenta definições-chave desses termos, acordadas pela maioria dos governos.


    Pode-se dizer que certos trechos do livro Doze anos de Escravidão não somente foram como ainda são reais para muitas pessoas e não apenas nas terras de Solomon Northup: há uma estimativa de 2,168,600 pessoas escravizadas nas Américas (do Sul, do Norte, Central) em 2016.        
    Tome-se como exemplo o tráfico humano. No livro de Northup podemos ter ideia de como ocorriam as compras e vendas de escravos, como pessoas eram comercializadas e tratadas como animais:

    “No dia seguinte muitos clientes vieram para examinar o ‘novo lote’ de Freeman. Ele estava muito falante, tagarelando infinitamente sobre nossas vantagens e qualidades. Freeman nos fazia erguer a cabeça de forma altiva, caminhar de um lado para o outro enquanto os clientes podiam apalpar nossas mãos, nossos braços e nosso corpo, fazer-nos virar, perguntar o que sabíamos fazer, fazer-nos abrir a boca e mostrar os dentes, exatamente do mesmo modo como um jóquei examina um cavalo que está prestes a comprar ou aceitar numa troca. Às vezes um homem ou uma mulher era levado novamente para a cabana pequena no pátio, desnudado e inspecionado de forma mais detida.” **

    De acordo com o Relatório Global de Tráfico de Pessoas de 2016, organizado pelo UNODC (United Nations Office on Drugs and Crime), somente no Brasil foram reportadas cerca de 3,000 vítimas de tráfico humano por ano, devido a crimes como trabalho escravo e trabalho forçado. Analisando os resultados obtidos na América do Sul (Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Equador, Guiana, Paraguai, Peru, Suriname, Uruguai e Venezuela) concluiu-se que as mulheres apresentam o perfil de vítimas mais frequentemente detectado.

    Seguem outros dados relevantes:
         - Forma de exploração mais frequentemente detectada: exploração sexual, 57%
         - Perfil de gênero dos condenados: masculino 63%
         - Participação dos cidadãos nacionais entre os infratores: 77% 


    
    Você pode se perguntar: como as pessoas chegam a esse ponto? A escravidão no Brasil e no mundo corre pelas sombras, envolta em fumaça e ilusões. Assim como Solomon Northup foi enganado com a promessa de um bom emprego, muitos são igualmente ludibriados por traficantes e acabam por cair em um embuste que pode levar a anos de servidão degradante e desumana. O site 50forfreedom traz um exemplo da Zâmbia: “uma jovem mulher recebeu uma proposta de emprego como garçonete na Europa, mas, ao chegar descobriu que não havia trabalho e que seu futuro chefe era um cafetão. Ela foi violentada, espancada e forçada a trabalhar como prostituta, sem qualquer possibilidade de procurar ajuda”.
    Exploração sexual, trabalho forçado, adoção ilegal, venda de bebês e até produção de material pornográfico constam na lista de crimes cometidos contra as vítimas de tráfico humano na América do Sul (2012-2014, conforme o relatório das Nações Unidas).
    Ao realizar essa breve pesquisa sobre a escravidão atualmente foram muitas as semelhanças encontradas entre o que Solomon e outros tantos escravos sofreram no passado com o que acontece ainda hoje. Relatórios, pesquisas, documentos, notícias e vídeos podem corroborar minha afirmação. Não ouso dizer que ninguém mais sofre com açoites...
    Apesar de o Código Penal brasileiro coibir o trabalho forçado em três artigos (149, 203, 207) um grande número de pessoas aqui no Brasil continua a sofrer sob a sombra da escravidão, que extrai a humanidade de suas vítimas. Por isso diversas associações e fundações se unem para quebrar as correntes que impedem milhares de terem um vida digna e livre. Abaixo seguem vídeos interessantes sobre o assunto e ao final do post eu compartilho documentos, sites e matérias importantes para quem se interessar e desejar ajudar, de alguma forma, a apagar a escravidão do nosso presente e futuro.  





* (p.47) NORTHUP, Solomon. Doze anos de Escravidão. São Paulo: Penguin Classics Companhia das Letras, 2014.
** (p.67) NORTHUP, Solomon. Doze anos de Escravidão. São Paulo: Penguin Classics Companhia das Letras, 2014.

Fontes: